Texto deVânia Camargo
O ano era 1929, o mundo acordava assustado com a crise que assolava todos os continentes, era a lendária “Crise de 29” desencadeada pela queda da Bolsa de Valores de Nova Yorque – Estados Unidos. Aqui no Brasil a preocupação era evidente. Tudo era calculado minuciosamente para não haver percas, decisões eram tomadas com precaução e cuidados.Enquanto isso uma mulher e seus sete filhos caminhavam, e caminhavam resolutos e firmes retornando ao seu lugar de origem. O destino, a fazenda Pedra Azul, sua primeira parada, na longa viagem de volta à terra natal. Ambrosina Otoni de Camargo e Antônio Batista de Camargo são os pais da reverenciada desta noite, Maria Otoni de Camargo, mulher forte e determinada que nasceu em 1894 e faleceu em 1968 em Cassilândia.Mas para fazer jus a esta desbravadora destemida e corajosa, vamos equipará-la à Águia, a ave de maior longevidade de seu gênero, para isso vou primeiro contar a história desta. A Águia chega a viver 70 anos. Mas para alcançar essa idade, aos 40, ela tem que tomar uma séria e difícil decisão. Nessa idade ela está com as unhas compridas e flexíveis, não consegue mais agarrar as presas das quais se alimenta. O bico alongado e pontiagudo se curva. Apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas, e voar já é tão difícil! Então, a águia só tem duas alternativas, morrer ou enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar 05 meses. Este processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão onde ela não necessite voar. Ali nesse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo, e espera nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas.Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só após cinco meses vai para o famoso vôo de renovação, para viver então mais 30 anos. Assim como a história da Águia, cheia de coragem e determinação, é a história de Maria Otoni de Camargo.A ousada viagem que para muitos parecia loucura, ela via como solução para a nova realidade que a vida lhe impunha. Viúva de Pedro Pereira Martins, há cinco meses, via na retirada para esta região, onde nascera e vivia parte de sua família, oportunidade de recomeçar. E entendendo que como dizia Mário Quintana “Empreender Aventuras é roubar o tempo da morte”, resolveu fazer como Águia, permitir-lhe um recomeço, dar um novo rumo a sua vida, alçar o vôo longo e arriscado, aventurar-se por estradas inóspitas rumo à sua terra.Pressentindo que para ser verdadeiramente livre, e aproveitar o resultado valioso que uma renovação sempre traz, teria que se desprender de lembranças, costumes e outras tradições, teria que optar por deixar no passado tudo que a impedisse de recomeçar. Assim decidiu partir.O irmão Philisteu Camargo, se ofereceu para auxiliá-la na grande jornada, saindo na frente com a responsabilidade de conduzir a boiada que veio tocada. O carreiro Domingos Félix e o boiadeiro Chico Colaca integravam a comitiva. Tonico(Antônio Pereira de Camargo), o filho mais velho de Dna. Maria era o Tropeiro.Com a responsabilidade de sete vidas em suas mãos, iniciou a grande jornada viajando a cavalo até Ribas do Rio Pardo onde embarcou no Trem da Noroeste até a estação Rio Claro, hoje Estação Ferreiro perto de Água Clara onde tomaram um caminhão e percorreram 273 km até a Fazenda Pedra Azul onde ficou por vários meses na companhia de sua mãe Dna. Ambrosina Ottoni Camargo e sua irmã Benvinda Ottoni Camargo. Era já nesta ocasião proprietária da Fazenda Monte Alegre. Mudando posteriormente para a região do Campeiro, iniciou a reconstrução da velha sede aqui existente, para onde se mudaria meses depois.Quando o Brasil vivenciou a Revolução de 1932, a família já estava instalada aqui, e uma nova vida começou. Maria Otoni de Camargo e seus sete filhos começaram então a escrever a sua história. Vivendo uma realidade dura em tempos que a mulher era vista como frágil e sem poder de decisão, ela teve que construir alicerces forte amparada na amizade dos antigos empregados Oscar e Guilhermina e na confiança dos filhos ainda crianças. Determinada a tomar as rédeas de seus negócios teve de se impor pela autoridade e rigidez, o que lhe rendeu a fama de mulher enérgica e austera. Administrando a fazenda ela reformou a casa, formou pastos, plantou lavoura, aumentou o seu rebanho, conquistou amigos e conseqüentemente inimigos também, mas acima de tudo reconstruiu sua família enfrentando todas as dificuldades da época. Era como o rio, que só atinge seus objetivos porque aprendeu a contornar obstáculos. A vida nestes sertões exigia esforço dobrado, nada era fácil, o transporte era feito em Carro - de - Boi ou em lombo de burro. Da distante Ferrovia Noroeste, vinha o sal, açúcar, café e os poucos remédios existentes na época. O gado era negociado com boiadeiros paulistas, na própria fazenda, e conduzido por comitivas até o Porto do Tabuado onde fazia a “travessia” para Tanabi e S. J. do Rio Preto –SP, região onde posteriormente seria abatido. Retornando à fazenda Monte Alegre, com o lucro da venda na algibeira, tomava-se o destino de Estação Ferreiro, viagem que durava 22 dias entre ida e volta, ali se faziam às compras que supriam todas as necessidades do ano, novas aquisições somente no próximo ano.E a fazenda prosperava, as crianças cresciam e trabalhavam e logo já estavam estudando, pois a gestora entendia que progresso e educação caminham de mãos dadas. A escola escolhida foi a Dois de Julho do Professor Baiano, João Magiano Pinto, também em Três Lagoas, a melhor da região. E o tempo passava, Os Sete Filhos de Maria, agora eram rapazes e moças, e como é natural tinham seus círculos de amigos que enchiam a casa de alegria. Três festas marcaram a vida social da Fazenda Monte Alegre; a primeira ocorreu no aniversário de 18 anos de Tonico, a festa reuniu convidados de toda região. Outra foi a cerimônia com recepção no casamento da Áurea, esta marcou a inauguração da Casa Grande, a sala da frente balançou sob o sapateado do catira tão tradicional na família. Festança pra nunca ser esquecida celebrou o retorno de Roldão pra casa depois de ficar 3 anos ausente de l.941 a l.944, quando integrava o Exercito Brasileiro, ocasião da 2ª Guerra Mundial, o Megafone referido anteriormente e que se encontra ali no museu, era a sensação do momentoOutubro era o mês dos “campeios”, a boiada solta nos campos era reunida por cavaleiros da fazenda e companheiros que vinham de longe ajudar na labuta. Os boiadeiros montavam acampamento por vários dias ao relento, depois das rezes agrupadas eram trazidas para a sede e nos currais iniciava o trabalho de reconhecimento, apartação e contagem que envolvia semanas inteiras. À noite no galpão a peonada reunia e ao som da viola a lua testemunhava os relatos do dia de trabalho e não raro alguém falava do amor pela morena trigueira que conhecera na festa do mês anterior. O namoro era de longe, mas se a moça era de família – como se dizia – já podia marcar o casamento. O “campeio” terminava com a florada da Gabiroba e do Alecrim – do – Campo, os campos tingiam de branco e o perfume adocicado tomava todo o vale do Indaiá. Chegava à hora de voltar para casa. A vida seguia seu curso e Dna. Maria Camargo, via seus filhos amadurecer cada um a seu modo. A maneira simples, porém rígida que os criou deu a cada um perfil distinto.
Tonico
Era artesão nato, gostava de trabalhar com o couro era sua especialidade. Gostava de dançar e a caçada era a ocupação das tardes de domingo. Sendo o mais velho, se encarregava da gerência dos trabalhos na fazenda.Roldão
Gostava da lida com o gado, tinha capricho especial por seu cavalo por nome Presente, era seu animal de estimação. No Exército serviu na cavalaria onde aprendeu a lidar com tropa. Foi violeiro famoso, tocava sanfona e gostava de dançar.Aurora
Era morena, alta e faceira. Desde moça despertou interesse pelos trabalhos manuais. Trabalhava no tear, na grade, tecia redes e fiava na roda. Destacava-se na lida da casa e no trato do jardim
Mário
Era o coringa da casa, lidava com o gado, domava tropa, cuidava da lavoura, mas o seu forte era o trabalho com madeira. Sempre foi homem da terra por isso se destacava em todas as frentes da fazenda. Gostava de baile e vivia rodeado de amigos.
Áurea
Sempre foi reservada. Dedicava-se à costura, ajudava na lida da casa e foi a companheira inseparável da mãe que a protegia e levava em todas as viagens. Teve um único namorado o José Gomes, com quem se casou.Aurides
Mulher forte, via no trabalho o passaporte para a liberdade. Enfrentava a lida pesada com o Carro – de – Boi, a roça e o curral, nos serviços da casa era dela a responsabilidade da cozinha e a roupa limpa e passada a ferro à brasa. Era cúmplice dos irmãos em todos os momentos.Ademar
O mais novo dos sete filhos, foi criado pelos irmãos Mário e Aurora. Gostava de cavalgar, foi para o campo ainda bem pequeno. Aprendeu a lida com os irmãos e antigos peões Leontino, Zé de Mato, Leriano e Demétrio Adriano. Pescava no rio Indaiá, mas o esporte favorito eram as caçadas de onça e anta. Tinha grande estimação por seus cachorros que tratava com carinho especial. Mesmo depois de casado, morou sempre com sua mãe, nunca saiu aqui da fazenda, onde viveu com amigos da vida inteira.Dos sete filhos de Maria, hoje quatro ainda vivem e com certeza lembram com saudades dos tempos aqui vividos. Nós os netos, na época, éramos ainda crianças e testemunhamos parte dessa história, e gostaríamos de poder congelar o tempo para que tudo permanecesse como então.O músico e poeta Renato Russo já alertou, “Se lembra quando a gente chegou a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba? Mas boas lembranças, nada pode apagar, como o amanhecer ao som do cantar da passarada nos galhos do Jasmineiro que crescia ao lado da velha bica d’água, o cheiro gostoso que vinha da cozinha onde a grande Matriarca fazia questão de manter a mesa sempre posta com doces, bolos, biscoitos e todo tipo de frutas do seu pomar e até as do serrado.Podemos perceber que a fartura na mesa é tradição dos Camargos. Somos conciente das mudanças que a evolução provoca, é a barganha com o progresso. Mesmo assim, cheios de dor e saudade reunimos os cacos para por mais um ano promover este encontro da família, que para muitos pouca importância tem, porém para nós é a escolha não nos restringirmos ao convívio limitado de alguns da família, pois entendemos que “ Quem se senta no fundo do poço para contemplar o céu, há de achá-lo muito pequeno”, preferimos contemplar horizontes mais amplos junto a pessoas tão queridas como as que hoje aqui se reúnem.Quanto aos nossos amados que partiram para Deus, pensemos, neles com a saudade convertida em oração. As nossas preces de amor representam centelhas de esperança e devotamento, despertando-os para visões mais altas na vida. E ao lembrá-los não nos detenhamos na terra, se contemplarmos os céus ouviremos suas vozes em nossos corações a dizer-nos, que não caminharam na direção da noite, mas sim ao encontro de Novo Despertar.Vinicius de Moraes – poeta brasileiro já dizia, ‘da morte apenas nascemos imensamente’.Queremos agradecer aos nossos anfitriões por terem aberto as portas desta casa para receber de braços e corações abertos, todos que mesmo com dificuldade reservaram dois dias para reencontrar em clima festivo parte desta família.Finalizando, desejo a todos que a estrada se abra à sua frente que o vento sopre levemente às suas costas, que o sol brilhe morno e suave em sua face, que a chuva caia de mansinho em seus campos... e, até que nos encontremos de novo,no próximo ano, que Deus lhe guarde na palma de Suas mãos. Boa noite a todos.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
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lidas chicas
ResponderExcluirFamilia a nossa referencia de chegada e de partida...Tudo passa, todos passam mas a família fica. Nossa descendencia, nossa história, nossa ascendencia, nossos filhos, nova história, novas vidas, novas familias...
ResponderExcluirParbéns
Só faltou o Compositor Jallapão do Brasil, Mais ainda quero participar
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirGostaria de saber se Benevenuto Ottoni, que foi proprietário da Fazenda Nascente, próxima à Agua Clara-MS,por volta de 1914, era irmão da Ambrosina Ottoni Camargo.
ResponderExcluirBom dia.
ExcluirEntão, não sei responder sua pergunta, por enquanto. Vou hoje falar com papai o Mario Pereira Camargo que é neto de Ambroínia, ver se ele sabe dar esta informação. Poderia, por favor, me enviar seu contado no email- vaniruthcamargo@hotmail.com. Assim fica mais fácil a comunicação.
Benevenuto Ottoni Pai de Teófilo Benedicto Ottoni que teve três filhos: Pedro Ottoni, Ambrosina Ottoni, e Benevenuto Ottoni o caçula a qual você se refere
ExcluirVânia sim são os três irmãos os quais dois são meus bisavós. Abrindo a vó de meu pai e Pedro avô de minha mãe e o caçula tio Noite como diz minha mãe.
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